José foi condenado à pena privativa de liberdade por ter cometido crime de tráfico de drogas. Durante o cumprimento da pena em regime fechado, foi aprovado em diversos concursos.
Apesar de ter sido aprovado e nomeado para o cargo de “Auxiliar de Indigenismo da FUNAI” e ter sido deferido o seu livramento condicional perante o Juízo das Execuções, com o escopo de lhe possibilitar a posse no cargo, foi impedido de tomar posse pela Administração, com fundamento no art. art. 5º, II, da Lei nº 8.112/90.
Art. 5º São requisitos básicos para investidura em cargo público: (…) II – o gozo dos direitos políticos; |
A Administração agiu corretamente? Não.
Tese fixada pelo STF:
A suspensão dos direitos políticos prevista no artigo 15, III, da Constituição Federal (‘condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos’) não impede a nomeação e posse de candidato aprovado em concurso público, desde que não seja incompatível com a infração penal praticada, em respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (art. 1º, III e IV, CF/88) e do dever do Estado em proporcionar as condições necessárias para a harmônica integração social do condenado, objetivo principal da execução penal, nos termos do artigo 1º da LEP (Lei nº 7.210/84). O início do efetivo exercício do cargo ficará condicionado ao regime da pena ou à decisão judicial do juízo de execuções, que analisará a compatibilidade de horários. STF. Plenário. RE 1.282.553/RR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 4/10/2023 (Repercussão Geral – Tema 1190) (Info 1111). |
No RE 1.282.553/RR, julgado em julgado em 4/10/2023 (Repercussão Geral – Tema 1190 – Info 1111), o Plenário do STF definiu se o candidato com os direitos políticos e débito com a Justiça Eleitoral, decorrentes de condenação criminal transitada em julgado, poderia ser investido em cargo público efetivo.
O STF decidiu que é possível a nomeação e a posse de condenado criminalmente, de forma definitiva, devidamente aprovado em concurso público, desde que:
(i) haja compatibilidade entre o cargo a ser exercido e a infração penal cometida;
(ii) a jornada de trabalho seja cumprida sem conflito de horários com o regime de cumprimento de pena.
De fato, a norma do art. 15, III, da CF/88 prevê a suspensão dos direitos políticos como decorrência da condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: (…) III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; |
No entanto, a norma deverá ser analisado com fundamento nas diferenças entre os direitos civis, sociais e políticos.
Direitos civis | Direitos sociais | Direitos políticos |
Referem-se às liberdades individuais, como a de consciência, de culto, à inviolabilidade de domicílio, à liberdade de reunião. | São os direitos prestacionais e visam à concretização da igualdade social. Previstos no art. 6º da CF, incluindo-se o direito ao trabalho. |
Correspondem ao direito de sufrágio; a alistabilidade (direito de votar em eleições, plebiscitos e referendos); a elegibilidade; a iniciativa popular de lei; a ação popular; a organização e participação de partidos políticos. |
A suspensão dos direitos políticos atinge a capacidade eleitoral ativa e passiva (direito de votar e direito de ser votado, respectivamente), mas não atinge os direitos civis e sociais, em que se insere o direito ao trabalho.
Deve-se ponderar a aplicação do artigo 15, III, da CF frente ao artigo 6º (que institui o trabalho como um direito social). Nesta ponderação, o STF entendeu que deve prevalecer o direito ao trabalho, conforme os seguintes fundamentos:
(a) os valores sociais do trabalho são fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV, CF);
(b) o direito ao trabalho decorre do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III e IV, da CF);
(c) erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais são objetivos da República (art. 3º, I, II, e III, da CF/1988);
(d) o artigo 23, item 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabelece que “todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”.
(e) o exercício de trabalho externo durante o cumprimento da pena privativa de liberdade como instrumento de reintegração social do condenado por infração criminal.
Sobre a previsão do art. 5º, II e III, da Lei 8.112/91, o STF entendeu que a Constituição Federal, ao tratar dos requisitos para investidura em cargos públicos, não impõe a obrigatoriedade de que o candidato aprovado esteja em gozo dos direitos políticos ou quite com as obrigações eleitorais. Tampouco consta do artigo 15, III, da CF, que é vedado ao penalmente condenado tomar posse em cargo decorrente de sua aprovação em concurso público.
As normas da Lei 8.112/91 aplicam-se aos casos em que o sujeito voluntariamente descumpre os deveres relacionados à capacidade eleitoral ativa. Estando a pessoa com os direitos políticos suspensos em razão de condenação criminal, o não atendimento à obrigação eleitoral independe da vontade do agente. Ele é impedido de votar por expressa disposição constitucional. Diversa é a situação do indivíduo que, estando no gozo de seus direitos políticos, exime-se do cumprimento de obrigação eleitoral a todos imposta.
Nesse caso, a norma do art. 5º, II e III, da Lei 8.112/1990 é perfeitamente aplicável, uma vez que pune quem, podendo, deixa de votar. Trata-se de norma que confere efetividade ao voto obrigatório, trazendo grave consequência ao sujeito que descumpre seu dever como cidadão.
Portanto, a norma da Lei 8.112/1990 tem como real e efetivo propósito estabelecer uma consequência para quem não cumpre voluntariamente com os deveres eleitorais.
O relator destacou que a tese não aplica aos cargos relacionados à segurança pública, em que seria possível a previsão em lei que restringe o acesso em decorrência de ação penal ou inquérito policial.
Sem previsão constitucionalmente adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou a ação penal.
STF. Plenário. RE 560900/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 5 e 6/2/2020 (repercussão geral – Tema 22) (Info 965). |
Por fim, o relator ponderou que é um contrassenso a Administração Prisional permitir a saída do detento para a realização de vestibulares e provas de concurso público, ante a comprovação de bom comportamento e esforço contínuo para se ressocializar e, após o êxito deste, a própria Administração Pública negar-lhe posse no cargo.
Fique atento ao julgado e bons estudos!
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