A Súmula 347 do STF, que permite aos Tribunais de Contas apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público, permanece válida?
Súmula 347-STF: O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público. (Aprovada em 13/12/1963). |
Na postagem da semana, explicamos o Mandado de Segurança 25.888/DF, julgado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em 22 de agosto de 2023.
No julgamento, o STF decidiu que a Súmula permanece válida, mas deve ser compreendida a partir de três parâmetros. Vamos analisar os fundamentos de cada parâmetro, a partir do voto do Ministro Relator Gilmar Mendes.
1) O Tribunal de Contas não é órgão do Poder Judiciário e, portanto, não possui atribuição para a declaração de inconstitucionalidade de normas jurídicas.
O controle repressivo de constitucionalidade é restrito, primordialmente, ao Poder Judiciário (art. 97 da CF) e, excepcionalmente, ao Poder Legislativo (art. 49, V, da CF).
O Tribunal de Contas, na qualidade de órgão técnico de fiscalização contábil, financeira e orçamentária, é instituição cujas competências se encontram estritamente estabelecidas na Constituição, sendo “inconcebível a hipótese de o Tribunal de Contas, órgão administrativo sem qualquer função jurisdicional, exercer controle de constitucionalidade nos julgamentos de seus procedimentos” (MS 35.410, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, publicado em 05/05/2021).
Portanto, na condição de órgão de natureza administrativa, não há fundamento constitucional para autorizar a declaração de inconstitucionalidade de normas pelo Tribunal de Contas.
2) O Tribunal de Contas pode afastar a aplicação de uma norma, desde que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal seja pacífica em reconhecer a inconstitucionalidade da matéria.
Com fundamento em Konrad Hesse, Gilmar Mendes assenta que a manutenção de soluções divergentes sobre o mesmo tema constitucional provocaria, além da desconsideração do próprio conteúdo das decisões do Supremo, último intérprete do texto constitucional, uma fragilização da força normativa da Constituição.
Portanto, em observância à vontade de Constituição, deve-se conferir a prerrogativa de o Tribunal de Contas, no exercício de suas funções institucionais, afastar uma norma já declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ainda que se trate de jurisprudência firmada sem eficácia erga omnes e efeito vinculante (art. 102, § 2º, CF).
O entendimento já tem sido desenvolvido pelo STF em casos envolvendo o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público.
O STF já entende que os referidos órgãos administrativos de estatura constitucional podem aplicar o posicionamento do STF sem que tal medida configure controle de constitucionalidade repressivo propriamente dito.
Ao julgar o MS 26.739/DF (Rel. Min. Dias Toffoli, 2ª Turma, publicado em 14/06/2016), o Supremo Tribunal Federal assentou a possibilidade de o CNJ afastar a aplicação de determinado ato normativo tido por inconstitucional, quando existir jurisprudência pacífica do STF que ateste a referida inconstitucionalidade.
Portanto, órgãos autônomos — como CNJ, CNMP, o Tribunal de Contas da União, dentre outros — podem proferir decisões administrativas afastando a aplicação de determinado ato normativo por vício de inconstitucionalidade, desde que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal seja pacífica em reconhecer a inconstitucionalidade da matéria.
3) O Tribunal de Contas pode afastar a aplicação de uma norma em caso de inconstitucionalidade chapada
A inconstitucionalidade chapada é aquela mais do que evidente, clara, flagrante, escancarada, não restando qualquer dúvida sobre o vício, seja formal ou material. O termo começou a ser utilizado em votos do Ministro Sepúlveda Pertence.
A leitura do voto do Ministro Gilmar Mendes permite concluir que se houver inconstitucionalidade manifesta, será possível ao Tribunal de Contas afastar a aplicação da norma. Inclusive, constou no item 2 da ementa:
2. Ausência de inconstitucionalidade manifesta. No caso em exame, a invocação da Súmula 347 do STF, pela autoridade coatora, rendeu-lhe a possibilidade de vulnerar o princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dos atos normativos, considerando que o quadro revelava cenário em que: (i) não havia inconstitucionalidade manifesta; (ii) não existia jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade do tema; (iii) a doutrina apontava na direção oposta àquela que fora adotada pelo Tribunal de Contas da União.
STF. Plenário. MS 25888, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 22/08/2023. |
CONCLUSÃO:
A Súmula 347 do STF permanece válida. Em provas objetivas, a redação literal da Súmula deve ser observada.
Veja, por exemplo, a seguinte questão:
(TJRJ – VUNESP – 2023 – Juiz de Direito) Assinale a alternativa que consigna corretamente uma Súmula do Supremo Tribunal Federal.
a) O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, não pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público. (Errado) |
Em provas subjetivas, o candidato deve dissertar sobre os parâmetros que foram abordados no post e garantir a nota máxima!
Bons estudos e até a próxima!
Pedro Gualtieri
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