A revogação dos atos culposos de improbidade administrativa pela Lei nº 14.230/2021

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Publicado por: PP
08/11/2023

As alterações promovidas na LIA pela Lei nº 14.230/2021 trouxeram uma série de questionamentos acerca da sua aplicação aos fatos ocorridos antes da vigência da lei, notadamente pelo caráter sancionatório da legislação e a ausência de regulamentação da aplicação da lei no tempo.

 

Essas questões têm uma grande relevância prática, inclusive para as Procuradorias do Estado. Portanto, trata-se de tema com alta probabilidade de cobrança em concursos.

 

Dentre as alterações mais importantes trazidas, destaca-se a extinção da previsão de atos culposos de improbidade administrativa. Antes, o art. 10 da LIA tipificava os atos de improbidade administrativa que causavam dano ao erário, abrangendo tanto atos dolosos e culposos. Com as alterações, apenas atos dolosos passaram a ser previstos na lei.

 

Diante desse cenário, surgiu o questionamento: atos culposos que causaram dano ao erário e que foram praticados antes da vigência da Lei nº 14.230/2021 poderiam ser sancionados com fundamento na lei vigente no momento da conduta?

 

Duas principais correntes se formaram acerca do tema:

1ª) O princípio da retroatividade da lei penal benéfica (art. 5º, XL, da CF/88) teria uma aplicabilidade a toda a legislação de caráter sancionatório, o que abrangeria os atos praticados sob a égide da redação original do art. 10 da LIA. Desse modo, estaria extinta a punibilidade para esses casos, tendo havido uma verdadeira “abolitio criminis“.

2ª) As sanções decorrentes da prática do ato de improbidade administrativa não se submetem ao princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, de modo que os atos deveriam ser analisados à luz do “tempus regit actum”. Desse modo, continuaria sendo possível a aplicação das sanções para os atos praticados sob a vigência da antiga redação do art. 10 da LIA.

 

Qual entendimento prevaleceu?

A questão foi enfrentada pelo STF no julgamento do ARE 843989/PR, sob o regime de repercussão geral.

De um modo geral, prevaleceu que a nova redação teria aplicação imediata para os atos pretéritos em razão da revogação do fundamento legal para punição novas condenações com base em atos culposos e não com fundamento na regra contida no art. 5º, LX, da CF/88. Inclusive, em respeito à coisa julgada, em havendo sentença condenatória transitada em julgado, não seria possível a rescisão do julgado, com fundamento no art. 5º, XXXVI, da CF/88.

 

Portanto, em relação aos atos praticados antes das alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, temos as seguintes situações possível:

1ª) Caso ainda não tenha havido sentença condenatória transitada em julgado, ante a revogação do tipo culposo, ficando impossibilitada a aplicação de sanções ao agente. Caso o processo estivesse em andamento, ainda que já houvesse decisão condenatória pendente de recurso, ficaria impossibilitado o prosseguimento.

2ª) Caso já exista sentença condenatória transitada em julgado, a coisa julgada prevaleceria, de modo não seria possível a rescisão do julgado e continuaria sendo possível a execução das sanções aplicadas.

 

Confira o trecho da ementa do julgado:

8. A Lei 14.230/2021 reiterou, expressamente, a regra geral de necessidade de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação do ato de improbidade administrativa, exigindo – em todas as hipóteses – a presença do elemento subjetivo do tipo – DOLO, conforme se verifica nas novas redações dos artigos 1º, §§ 1º e 2º; 9º, 10, 11; bem como na revogação do artigo 5º. 9. Não se admite responsabilidade objetiva no âmbito de aplicação da lei de improbidade administrativa desde a edição da Lei 8.429/92 e, a partir da Lei 14.230/2021, foi revogada a modalidade culposa prevista no artigo 10 da LIA. 10. A opção do legislador em alterar a lei de improbidade administrativa com a supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa foi clara e plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa e a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF, art. 37, §4º). 11. O princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador. 12. Ao revogar a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, entretanto, a Lei 14.230/2021, não trouxe qualquer previsão de “anistia” geral para todos aqueles que, nesses mais de 30 anos de aplicação da LIA, foram condenados pela forma culposa de artigo 10; nem tampouco determinou, expressamente, sua retroatividade ou mesmo estabeleceu uma regra de transição que pudesse auxiliar o intérprete na aplicação dessa norma – revogação do ato de improbidade administrativa culposo – em situações diversas como ações em andamento, condenações não transitadas em julgado e condenações transitadas em julgado. 13. A norma mais benéfica prevista pela Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, portanto, não é retroativa e, consequentemente, não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes. Observância do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal.

Em síntese, as teses firmadas para questão foram as seguintes:

1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO;

2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;

3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;

 

Professor Adson Lavor

 

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